Existem relatos de pessoas com deficiência desde os primórdios da humanidade, claro que esse termo não era usado, nem muito menos havia qualquer sinal de empatia ou respeito por esses indivíduos que, por muitos séculos, foram simplesmente isolados ou descartados da sociedade.
Segue um breve apanhado de como as pessoas com deficiência eram tratadas ao longo da história da humanidade, além de como podemos aprender e nos inspirar com essa luta incansável, marcada por séculos de desrespeito e violações de toda natureza.
Os termos capacitistas encontrados neste texto, são condizentes às referências da época em que foram escritos e por esse motivo seguem mantidos, com o intuito de preservar a identidade das fontes e ainda aproximar o leitor de seu contexto histórico original.
Pré-história
Praticamente não existem indícios sobre como viviam as pessoas com deficiência nos primeiros milênios da vida do homem na Terra, mas podemos supor o quão grave e limitante significava para um grupo a presença de indivíduos impossibilitados de suas funções básicas. No entanto, desenhos de mãos com dedos faltantes encontrados em cavernas, além de ossadas de homens primitivos com anomalias incapacitantes, nos mostram que as doenças e as deficiências físicas são tão antigas quanto a vida do homem em nosso planeta.
Egito Antigo
Diferentemente de outras civilizações que veremos a seguir, os antigos egípcios tratavam as pessoas com deficiência com certo respeito e dignidade, fato este comprovado em um documento chamado “Instruções de Amenemope”, uma espécie de código de conduta moral egípcio cujo manuscrito encontra-se preservado no Museu Britânico e onde um dos trechos diz:
“Não faça gozações de um homem cego nem caçoe de um anão, nem interfira com a condição de um aleijado. Não insulte um homem que está na mão de Deus, nem desaprove se ele erra”.
Também existem registros de pessoas com deficiência, principalmente as cegas e com nanismo, perpetuados em afrescos, papiros, túmulos e múmias, vivendo integradas e em diferentes camadas da sociedade, desde a classe dos faraós, nobres, artesãos, agricultores, até os escravos. A imagem a seguir mostra um monumento onde um homem, com um importante cargo para sociedade da época, apresenta uma deficiência na perna direita (possivelmente causada por poliomielite) e também carrega um bastão para auxílio em sua locomoção.

Antigos hebreus
O povo hebreu via as pessoas com deficiência, tanto física como mental, ou mesmo com qualquer deformidade, por menor que fosse, como impuras ou pecaminosas, além disso, a discriminação a esses indivíduos era permitida e manifestada nas próprias leis. Porém, há relatos bíblicos que indicam que Noé teria sido albino, conforme trecho do Livro de Enoc (um dos diversos livros apócrifos da Bíblia):
"Depois de algum tempo meu filho Matusalém escolheu uma esposa para seu filho Lamec. Ela engravidou e deu à luz uma criança cuja pele era branca como a neve e vermelha como uma rosa; cujo cabelo era comprido e alvo como a lã e cujos olhos eram lindos. Quando os abriu iluminou toda a casa, como o sol; a casa toda ficou cheia de luz".
Grécia Antiga
Para os gregos, o culto à beleza e a importância em formar soldados fortes e implacáveis, não permitia a presença de indivíduos que não correspondessem aos padrões estéticos, de força e de saúde daquela sociedade. Sendo assim, pessoas com alguma deformidade ou doença era eliminada ou abandonada à própria sorte para morrer. Em Esparta, crianças nascidas com alguma deficiência física ou mental eram lançadas de abismos ou simplesmente deixadas em florestas e cavernas. Havia, porém, certa tolerância aos soldados feridos ou mutilados em batalhas.
Roma Antiga
Assim como na Grécia Antiga, as crianças nascidas com alguma deficiência não tinham direito à vida, reforçando a necessidade de utilidade de cada indivíduo para a coletividade. Mas com o passar dos séculos, houve uma certa tolerância para esse grupo de pessoas, deixando evidente a diferença de tratamento entre ricos e pobres, onde o grupo menos favorecido era comercializado como aberrações, deixados para esmolar nas ruas ou usados para prostituição.
Cristianismo
Com o advento do cristianismo, o princípio do amor ao próximo e da caridade deu lugar ao tratamento desumano dado às pessoas com deficiência. Tais mudanças de paradigmas promoveu o asilo, que escondia e garantia moradia e alimento àqueles antes desprezados pela sociedade, mas a grande massa que vivia na pobreza ainda precisavam esmolar para garantir sua sobrevivência. Pessoas cegas, amputadas e com diversas deformidades físicas eram encontradas nos espaços públicos e inclusive foram amplamente citadas na Bíblia através dos milagres realizados por Jesus Cristo.
Idade Média
Qualquer tipo de deficiência era visto como “castigo de Deus”, bruxaria, influência de maus espíritos ou até obra do próprio demônio, portanto, apesar dessas pessoas serem aceitas e eventualmente acolhidas pela sociedade, havia o terror constante em ser diferente do padrão preestabelecido, já que poderiam ser associadas ou culpadas por qualquer acontecimento sem explicação, como uma praga na plantação ou um evento climático inesperado, por exemplo.

Renascimento
O período surgia para livrar o homem de uma era de trevas, superstição, ignorância e violência advindos da Idade Média, que passou a valorizar a dignidade humana e o pensamento individual, trazendo certa visibilidade às pessoas com deficiência, pela primeira vez na história. Houve também avanços importantes na medicina e no modelo de reabilitação, onde foram criadas as primeiras instituições assistencialistas para os excluídos, mas que, na realidade, buscavam isolar e explorar esse grupo de marginalizados, onde também se encontravam as pessoas com deficiência.
Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
Foi implantado o programa de eugenismo nazista que buscava a “purificação” da raça ariana através da eliminação de indivíduos considerados fora dos padrões preestabelecidos que pudessem interferir e “contaminar” essa idealização cruel e desumana de sociedade. Desse grupo faziam parte judeus, afro-alemães, ciganos, Testemunha de Jeová, comunistas, homossexuais, mulheres promíscuas, alcoólatras, mendigos, pessoas idosas e as pessoas com deficiência, inclusive crianças, como mostra a foto a seguir.

Com o fim da guerra, houve uma grande preocupação em cuidar da população marginalizada, inclusive das pessoas com deficiência e dos mutilados nos campos de batalha. Essa movimentação acabou impactando diretamente na política interna de vários países e envolvendo a ONU – Organização das Nações Unidas que passou a atuar fortemente na questão dos direitos humanos.
“Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes”
Em 09 de dezembro de 1975, foi aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas a “Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes“, cujo texto estabelece que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos fundamentais que os demais cidadãos, independentemente da gravidade ou natureza da sua deficiência, entre eles:
- Direito a uma vida digna e plena;
- Direito à igualdade de direitos civis e políticos;
- Direito à medidas para alcançar a maior autonomia possível;
- Direito a tratamento médico, psicológico e funcional;
- Direito à educação, formação e reabilitação profissional;
- Direito à segurança económica e social.
O termo “pessoa com deficiência” foi definido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, aprovada em 2006. O Brasil ratificou a convenção em 2008 e promulgou-a em 2009. O uso do termo “pessoa com deficiência” é importante para promover a inclusão e combater o estigma e a discriminação que historicamente acompanharam essa parcela da população.