Em se tratando de acessibilidade, certamente a circulação é um dos temas mais relevantes às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, isso por estar diretamente relacionada ao deslocamento cotidiano como também a direitos assegurados por lei a esse grupo, como à mobilidade por exemplo.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), tem assegurado em seu art. 46, o direito à mobilidade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, através do acesso livre de obstáculos e barreiras. Isso significa que, por lei, todas as barreiras, sejam elas urbanísticas, arquitetônicas ou nos transportes, por exemplo, precisam ser identificadas e eliminadas. Trata-se da garantia de que todas as pessoas, independentemente de suas capacidades físicas, sensoriais ou cognitivas, possam se movimentar de forma segura, autônoma e confortável em espaços públicos, privados ou de uso coletivo, mas é claro que no mundo real em que vivemos esse cenário ainda está muito distante de se tornar realidade.
O art. 3º, inciso IV da mesma lei define “barreiras” como:
"qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros [...] BRASIL, 2015".
Tipos de circulação
A circulação pode ser horizontal e vertical. Quando horizontal, refere-se aos caminhos e espaços de deslocamento no mesmo nível, como corredores, passagens e áreas de trânsito dentro de edificações ou em espaços urbanos. Já a vertical, está relacionada aos elementos que permitem o deslocamento entre diferentes níveis, como rampas, escadas e equipamentos eletromecânicos (elevadores, plataformas elevatórias, esteiras e escadas rolantes).
Mas é importante ressaltar que, para ser considerada acessível, a circulação vertical tem que atender a, no mínimo, duas formas de deslocamento, por exemplo, a entrada de um edifício não pode ter apenas uma escada ou uma rampa ou uma plataforma elevatória, no local deve ser sempre disponibilizada ao menos duas formas desse acesso, sendo: escada + rampa, escada + plataforma elevatória ou rampa + plataforma. E, claro, tudo dentro dos padrões especificados em norma, como veremos a seguir.
Eliminando barreiras
Como vimos anteriormente, barreiras são os entraves que impossibilitam que as pessoas, independentemente de quaisquer limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, se desloquem (no caso da acessibilidade arquitetônica) com autonomia, conforto e segurança.
A lista dos itens diretamente impactantes na circulação, seja ela interna ou externa, é grande, vai desde pisos, desníveis, inclinação, sinalização, rota acessível, equipamentos eletromecânicos, rampas, escadas e por aí vai, mas vamos entender melhor o significado bem como a importância e o uso adequado dos mais relevantes deles:
- Rota acessível: trata-se de um caminho sinalizado e 100% livre de obstáculos, a partir da calçada, junto à entrada (ou entradas) da edificação e que interliga todos os ambientes existentes de uso comum. Ela pode ser tanto interna como externa e engloba calçadas, estacionamentos, rampas, escadas, corredores, elevadores e outros elementos da circulação. Confira o post sobre rota acessível;
- Corredores: compõem a circulação interna e devem ter suas larguras mínimas variando entre 0,90 m e 1,50 m, de acordo com sua extensão e uso;
- Sinalização: a sinalização é um item fundamental para a viabilização da acessibilidade e por isso as normas técnicas são tão rigorosas nas especificações sobre o tema. Ela deve ser autoexplicativa, perceptível e legível, além de estar sempre implantada em locais acessíveis para as pessoas em cadeira de rodas, com deficiência visual, entre outros usuários, de forma que possa ser compreendida por todos. Confira o post sobre sinalização acessível.
- Pisos: devem ter superfície regular, firme, estável e não trepidante para dispositivos com rodas, além de antiderrapantes, sob qualquer condição (seco ou molhado). Também é importante evitar padronagens que passem a sensação de tridimensionalidade através de estampas e contrastes de cores, por exemplo;
- Piso tátil ou podotátil: placas com superfícies em relevo instaladas em locais estratégicos e definidos por norma específica (NBR 16537) que auxiliam o deslocamento autônomo e seguro das pessoas com deficiência visual. O piso tátil deve ter cor contrastante com o piso adjacente para facilitar a identificação por pessoas com baixa visão. Confira o post sobre piso tátil de alerta e direcional;
- Desníveis: a partir de 5 mm de altura os desníveis são considerados obstáculos e precisam ser eliminados, de acordo com a solução mais adequada a cada situação. Acima de 20 mm os desníveis já são considerados degraus e, a partir de dois deles, são classificados como degraus isolados;
- Escadas: uma sequência de três degraus ou mais é considerada escada e seus pisos e espelhos devem ter dimensões constantes, respeitando os parâmetros estabelecidos na NBR 9050 e na Fórmula de Blondel (2E+P=64 cm). Os pisos devem ter entre 28 cm e 32 cm e os espelhos entre 16 cm e 18 cm. Confira os posts sobre escadas;
- Rampas: superfícies de piso com inclinação a partir de 5% já são consideradas rampas, que devem obedecer às mesmas regras de piso mencionadas anteriormente. A fórmula para cálculo da inclinação, expressa em porcentagem (%), é a seguinte: i = (h x 100) /c, onde as outras variáveis são a altura do desnível (h) e o comprimento da superfície (c). Segundo as Tabelas 4 e 5 da NBR 9050, as inclinações admitidas para as rampas podem variar entre 5% e 12,5%, mas a sua adoção irá depender de inúmeros fatores, como desníveis e números de segmentos de rampas, situação do imóvel (novo ou reforma), se em locais específicos, como plateias e palcos, piscinas e praias, por exemplo. Confira os posts sobre rampas;
- Corrimãos e guarda-corpos: devem estar presentes em todas escadas e rampas, assim como as guias de balizamento, elementos utilizados como referência visual e tátil para as pessoas com deficiência visual. Os corrimãos devem ser contínuos, instalados em ambos os lados, em duas alturas (92 cm e 70 cm), sinalizados, com a empunhadura adequada e prolongamento recurvado nas extremidades. Já os guarda-corpos devem atender às normas específicas: NBR 9077 e NBR 14718;
- Equipamentos eletromecânicos: categoria composta por elevadores, plataformas elevatórias, esteiras e escadas rolantes, cada qual com suas regras e até normas específicas. Suas instruções de uso e sinalização devem estar de acordo com a Tabela 6 da NBR 9050. As escadas rolantes convencionais não são adequadas para uso de pessoas em cadeira de rodas, existem escadas rolantes com plataforma para essa finalidade, porém muito raras de serem encontradas. Outros equipamentos que não permitam utilização autônoma pelo usuário ou que tenham uma utilização limitada, como plataformas com assento fixo para escadas e transportador de cadeira de rodas com esteira, por exemplo, não são considerados dispositivos de acessibilidade. Confirma o post sobre plataforma de elevação vertical;
- Portas: devem ter vão livre mínimo de 0,80 m de largura por 2,10 m de altura, exceto as de locais de práticas esportivas, onde as cadeiras cambadas são utilizadas, que devem ter 1,00 m de largura. Para que possam ser abertas com autonomia e segurança por pessoas em cadeira de rodas, deve-se respeitar as áreas preestabelecidas em norma para o deslocamento frontal e lateral. Elas devem poder ser abertas em um único movimento e suas maçanetas devem ser do tipo alavanca, instaladas a uma altura entre 0,80 m e 1,10 m do piso acabado. Já as portas de sanitários e vestiários devem abrir para fora e ter um puxador horizontal instalado em sua face interna;
- Calçadas: quando o município não dispuser de uma cartilha ou lei específica sobre as suas calçadas, deve-se obedecer os padrões preestabelecidos na NBR 9050, que, basicamente, a divide em 3 faixas de uso: serviço, livre ou passeio e acesso. Cada tem suas condições de dimensionamento e uso distintos e devem ser respeitadas de modo a garantir a circulação de todas as pessoas por nossas cidades. Confira o post sobre calçadas acessíveis.
Bom, esse foi um resumo dos principais itens que impactam diretamente na circulação acessível, mas claro que cada um deles deve ser aprofundado no momento de qualquer intervenção, por terem suas próprias particularidades e regras bem definidas. Além disso, deve-se sempre contar com a participação de um responsável técnico habilitado (arquiteto ou engenheiro civil), que irá responder legalmente pelo serviço, seja ele projeto arquitetônico, laudo técnico de acessibilidade ou execução de obra.
A circulação acessível é um pilar essencial da inclusão social, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.